'Ajudo pais indianos a conversar sobre sexo com seus filhos'

Iniciado por noticias, 27, Julho, 2021, 21:45

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'Ajudo pais indianos a conversar sobre sexo com seus filhos'

Uma das 'coaches de sexualidade' mais populares da Índia conta que pais a procuram em busca de conselhos, já que a educação sexual não é amplamente disponível nas escolas. Pallavi é uma das coaches de sexualidade mais populares da Índia
Divulgação/Pallavi Barnwal
Muitas escolas indianas não oferecem educação sexual, deixando para os pais a tarefa de conversar com os filhos sobre sexo e relacionamentos.
Mas, muitas vezes, eles não sabem ao certo o que dizer, revela a "coach de sexualidade" Pallavi Barnwal — e vários recorrem a ela em busca de conselhos.
Veja abaixo uma reportagem de 2018 sobre uma mudança de lei na Índia que descriminalizou sexo entre pessoas do mesmo gênero.
Índia decide pôr fim na lei que proibia ato sexual entre pessoas do mesmo sexo
A seguir, o relato dela à correspondente de identidade e gênero da BBC, Megha Mohan:
 'Fazendo uma retrospectiva, minha educação conservadora indiana foi, na verdade, a base perfeita para alguém que acabaria como coach de sexualidade.
Imagem sem data de Pallavi Barnwal
Divulgação/Pallavi Barnwal
A primeira influência sobre mim, embora eu não tenha percebido na época, foi o próprio relacionamento dos meus pais.
Por anos, houve rumores sobre o casamento deles. Quando eu tinha cerca de oito anos, comecei a ouvir perguntas a respeito também.
Nas festas, se eu estivesse sem minha família, um exército de tias esbaforidas me colocaria contra a parede para um interrogatório.
'Seus pais ainda dividem o mesmo quarto?
'Você ouviu alguma discussão?'
'Já viu algum homem fazendo visita?'
Eu podia estar ao lado mesa de sobremesas, prestes a colocar uma colher de sorvete na tigela, ou vagando pelo jardim à procura de outras crianças para brincar, e quando menos esperava, estava cercada por mulheres que eu mal conhecia, fazendo perguntas para as quais eu definitivamente não sabia a resposta.
Imagem sem data de Pallavi Barnwal
Divulgação/Pallavi Barnwal/Via BBC
Anos depois, após meu próprio divórcio, minha mãe me contou toda a história. No início do casamento dos meus pais, antes de meu irmão e eu nascermos, minha mãe sentiu uma atração profunda por um homem, a qual se transformou em um caso amoroso físico.
Em questão de semanas, ela foi tomada pela culpa e acabou com o relacionamento. Mas nas comunidades indianas, há olhos e bocas em todos os lugares. Com o tempo, os rumores chegaram até meu pai.
Para meu pai demorou 10 anos, e dois filhos, para finalmente perguntar a minha mãe sobre isso.
E prometeu a ela que qualquer que fosse a resposta isso não afetaria o relacionamento deles —mas, depois de anos de murmúrios, ele precisava saber.
Ela contou tudo a ele. Era menos uma questão sexual e mais de intimidade, ela disse. Tinha acontecido antes de eles terem começado uma família, quando o casamento ainda não tinha encontrado seu eixo.
Assim que ela parou de falar, percebeu uma frieza instantânea no ar. Meu pai se retirou imediatamente da sala.
A confirmação de uma história que ele suspeitava por anos acabou na mesma hora com qualquer confiança que houvesse entre eles — e o relacionamento se deteriorou rapidamente.
Isso me mostrou muito claramente que nossa incapacidade de falar adequadamente sobre sexo e intimidade pode destruir famílias.
Minha família é do Estado de Bihar, no leste da Índia. É uma das maiores e mais populosas regiões do país, fazendo fronteira com o Nepal e com o rio Ganges cortando suas planícies.
Tive uma infância conservadora. Como acontece com muitas famílias, sexo não era um assunto discutido abertamente.
Meus pais não davam as mãos nem se abraçavam, mas também não me lembro de ter visto nenhum casal em nossa comunidade sendo afetuoso fisicamente.
Minha primeira exposição a qualquer coisa relacionada a sexo aconteceu quando eu tinha 14 anos.
Certa tarde, entediada, fui procurar um livro no armário de meu pai quando um livreto, que estava entre seus romances e livros de história, caiu.
Continha várias pequenas histórias detalhadas sobre um mundo secreto em que homens e mulheres exploravam os corpos uns dos outros.
Este livro definitivamente não era literatura, era mais atrevido do que isso.
Uma das histórias era sobre uma jovem curiosa que fez um buraco na parede para poder ver um casal que ela conhecia na cama.
Tive de pesquisar o significado de uma palavra em hindi que nunca tinha ouvido antes, chumban, que significa beijo de língua apaixonado.
Eu tinha tantas perguntas, mas não havia ninguém com quem conversar.
Minhas amigas e eu nunca tínhamos discutido nada parecido.
Absorta no livro, levei um tempo para voltar ao presente e ouvir a voz da minha mãe me chamando de outro cômodo.
Naquela época, no final dos anos 1990, eu não sabia que não tinha feito nada de errado, que muitas crianças pelo mundo haviam começado a aprender sobre intimidade nessa idade, em grande parte na escola.
Na Bélgica, as crianças aprendem sobre sexo desde os sete anos. Mas a Índia não é um lugar onde a educação sexual seja parte obrigatória do currículo escolar.
Na verdade, só em 2018 que o Ministério da Saúde e Bem-Estar da Família lançou as diretrizes de educação sexual para as escolas. Mais de uma dúzia dos 29 Estados indianos optaram por não implementá-las.
De acordo com o jornal "The Times of India", mais da metade das meninas que vivem nas áreas rurais do país não têm conhecimento sobre menstruação ou de sua causa.
Ter achado o livreto não me levou a um período de descobertas. Na verdade, eu o sepultei na minha mente e, como muitas garotas que cresceram na Índia, continuei conservadora.
Eu tinha 25 anos quando perdi a virgindade e ainda era inexperiente na época do meu casamento arranjado, dois anos depois.
Minha noite de núpcias só pode ser descrita como um fiasco. Olhei para o nosso leito nupcial, na casa dos pais do meu noivo, coberta de pétalas de flores, e achei a situação cômica.
Pelas paredes finas do quarto, eu podia ouvir a família circulando pela casa — cerca de uma dúzia de pessoas, que haviam vindo de fora da cidade para o nosso casamento, estavam acampadas do lado de fora da nossa porta, já que não havia outro lugar para dormir.
Minha mãe me encorajou a dizer ao meu então marido que eu era virgem, então eu tive que fingir ser tímida e não saber muito bem o que fazer. Mal tínhamos nos falado e lá estávamos nós, de repente, em um quarto, e era esperado que eu cumprisse minhas obrigações de esposa.
Eu não era virgem, mas não estava preparada.
Até hoje recebo dezenas de mensagens por mês de pessoas me perguntando o que fazer na noite de núpcias: não apenas fisicamente, mas como agir — como não parecer muito tímido e nem muito experiente.
Meu marido e eu ficamos juntos por cinco anos. Estava claro desde o início que eu tinha me casado com a pessoa errada, então fazer sexo com ele se tornou algo que eu temia. Tivemos que negociar horários e datas.
Só quando comecei a fantasiar sobre um colega de trabalho que eu soube que não tinha mais jeito.
Não fiz nada em relação à fantasia, mas não queria um relacionamento em que houvesse a possibilidade de isso (traição) acontecer. Nosso casamento acabou.
Aos 32 anos e mãe solteira, de repente não havia pressão sobre mim. Eu era divorciada e já era uma mulher fracassada aos olhos da sociedade.
Morando na capital da Índia, Nova Déli, tive uma série de relações sexuais sem futuro. Experimentei, dormi com homens mais velhos, homens casados.
Conforme me tornei mais aberta, o tipo de conversa que eu estava tendo começou a mudar. Amigas casadas ​​vinham me pedir conselhos.
Inspirada pela minha independência, minha mãe, que sempre teve um lado rebelde, veio morar comigo e com meu filho em Déli.
À minha volta, havia muitas discussões feministas sobre sexo e direitos das mulheres.
O estupro de uma jovem em um ônibus em Déli, em 2012, chocou a cidade.
Mas para mim era preocupante a maneira como essas conversas estavam enquadrando o sexo como algo violento, e não como algo a ser apreciado.
Na verdade, muitas vezes as mulheres indianas não pensam na intimidade como algo prazeroso, que deveria estar sob seu controle.
Há tanto silêncio e tabu em torno do assunto, que as jovens às vezes são incapazes de reconhecer o abuso quando acontece com elas.
Os dados mais recentes do governo indiano, divulgados em setembro do ano passado, mostram que a Índia registrou uma média de 87 casos de estupro por dia em 2019 e um total de 405.861 casos de crimes contra mulheres durante o ano, um aumento de mais de 7% em relação a 2018.
Mais de 100 crianças, meninos e meninas, foram abusadas sexualmente todos os dias.
De acordo com o Relatório da População Mundial de 2020, isso não acontece apenas porque a Índia é um país grande; o número de crimes sexuais per capita da população é um dos piores do mundo.
Embora estivesse trabalhando com vendas, comecei a pensar em mudar de carreira.
Me ocorreu que havia uma oportunidade para abrir um espaço sem julgamento para falar abertamente sobre sexo e criar uma plataforma em que as pessoas pudessem me fazer perguntas.
Me formei para ser coach de programação neurolinguística e sexualidade e montei uma página no Instagram em que convidei as pessoas a me perguntarem qualquer coisa sobre sexo sem julgamento.
Para encorajar a conversa, postei detalhes sobre minhas próprias experiências sexuais. Funcionou.
As pessoas começaram a entrar em contato para buscar conselhos sobre questões como fantasias sexuais, estigma em torno da masturbação, casamento sem sexo e muitos outros assuntos, incluindo abuso.
Mas várias mensagens eram de pais.
Depois, dois anos atrás, fui convidada a fazer uma palestra no TED sobre a importância de os pais conversarem com seus filhos sobre sexo e consentimento.
Usei um sári no palco para mostrar que não são apenas as mulheres indianas ocidentalizadas que fazem sexo, e mostrei ao público dados divulgados pelo site Pornhub, em 2019, que diziam que os indianos estavam transmitindo a maior parte da pornografia do mundo, apesar de vários sites serem proibidos no país.
Estávamos fazendo sexo em segredo, e isso não estava ajudando ninguém.
Depois dessa palestra, comecei a receber mais de 30 perguntas e pedidos de terapia por dia — desde questionamentos sobre como usar um brinquedo erótico até como fingir ser virgem na noite de núpcias.
Recentemente, após a última onda avassaladora de Covid-19 na Índia, um homem me perguntou quando era seguro para ele começar a se masturbar de novo após se recuperar do vírus.
(Minha resposta: durante a Covid, a masturbação pode levar à exaustão física, mas após a recuperação é completamente ok voltar ao normal.)
Muitos dos questionamentos me lembraram que algumas das partes mais dolorosas de nossas vidas estão ligadas à falta de discussão que nós, como cultura, temos em relação ao sexo.
Sexo nem sequer é a questão na maioria das vezes.
Os casos dos meus pais aconteceram em parte porque eles não conseguiam se comunicar sobre uma parte muito natural da vida humana.
A falta de sexo no meu casamento era porque não conseguíamos falar um com o outro também.
Meu filho está com quase oito anos agora e sei que dentro de alguns anos ele ficará curioso.
Quando deixei de amamentá-lo, disse a ele que agora ele estava na idade de não tocar em certas partes do corpo de uma mulher.
Ele era muito novo, mas entendeu.
Quando chegar a hora de ele ser sexualmente ativo, espero tê-lo criado em um ambiente em que esteja bem informado e seguro, e saiba que não haverá julgamento da minha parte."
Dicas de Pallavi Barnwal para os pais
Comece entendendo por que seus filhos precisam saber sobre sexo
Falar sobre sexo e sexualidade pode proteger seus filhos de uma série de problemas mais tarde na vida.
Baixa autoestima, ansiedade em relação à imagem corporal, abuso sexual, relacionamentos que não são saudáveis e consumismo sexual são apenas alguns dos problemas de longo prazo que muitos jovens adultos enfrentam.
Conte a eles sobre suas próprias experiências
As crianças se conectam incrivelmente com as histórias dos pais. Elas têm curiosidade de saber como foi quando você estava crescendo.
Elas querem ver vocês como seres humanos reais e autênticos que cometeram sua parcela de erros.
Você vai estabelecer uma conexão melhor com seu filho se falar sobre os desafios, as incertezas e as concepções erradas sobre sexo que tinha na idade dele.
Compartilhe suas opiniões
Converse com seus filhos sobre seus valores sexuais.
O que você pensa sobre nudez, atividade sexual de adolescentes, LGBT, casamento gay, aborto, contracepção, sexo extraconjugal, relacionamentos saudáveis.
Lembre-se de que você está ajudando seus filhos a construir uma estrutura de valores, não impondo nada rigidamente.
Apresente fatos a eles
Obtenha dados sobre o que eles precisam saber em diferentes faixas etárias.
As informações que seus filhos devem saber quando tiverem entre 10 e 14 anos incluem:
Suas expectativas e valores em relação à sexualidade;
Os nomes corretos e a função dos órgãos sexuais masculinos e femininos;
O que é relação sexual e como a gravidez acontece;
As mudanças físicas e emocionais que acontecem durante a puberdade;
A natureza e função do ciclo menstrual;
Relações LGBT, gênero, masturbação e aborto;
O que é controle de natalidade;
Infecções sexualmente transmissíveis (ISTs) e como se propagam;
O que é abuso sexual, como prevenir o abuso sexual e o que fazer se o abuso acontecer;
Todas essas informações são específicas para a faixa etária, você deve decidir quando compartilhá-las e em que grau.
Relato feito à correspondente de identidade e gênero da BBC, Megha Mohan.
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