'Como perdoei os homens que mataram minha mãe com uma bomba'

Iniciado por noticias, 19, Fevereiro, 2020, 09:04

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'Como perdoei os homens que mataram minha mãe com uma bomba'


   Adolescente fica cara a cara com autores de atentado à embaixada australiana em Jacarta, que matou a mãe dela. 'Aprendi que alguém pode fazer algo terrível, mas pode mudar depois, e eu o perdoo', diz Sarah
BBC
O que você diria aos homens que mataram sua mãe? Você seria capaz de perdoá-los? Estas foram as perguntas que Sarah Salsabila, de 17 anos, precisou fazer a si mesma ao visitar o presídio da ilha de Nusakambangan, na Indonésia, em outubro do ano passado.
Iwan Setiawan passava de moto pela embaixada australiana em Jacarta. E só conseguia pensar na esposa, grávida na garupa, com os braços ao redor do peito dele.
O segundo filho do casal nasceria em algumas semanas, e eles estavam a caminho do hospital para fazer novos exames.
"De repente, ouvimos um barulho incrivelmente alto e fomos arremessados para o alto", recorda.
 Iwan só soube muito tempo depois que se tratava de um ataque suicida, de autoria do grupo extremista local Jemaah Islamiyah, ligado à Al-Qaeda, responsável por uma série de ataques na Indonésia, incluindo os atentados de 2002 em Bali, nos quais 202 pessoas foram mortas.
"Eu só via sangue. Muito sangue. Um pedaço de metal que foi pelos ares destruiu um dos meus olhos."
A mulher dele foi arremessada da moto. Ambos foram levados às pressas para o hospital e, em estado de choque, Halila Seroja Daulay entrou em trabalho de parto gravemente ferida.
"Ela foi levada às pressas para o centro cirúrgico após começarem as contrações. Mas, louvado seja Alá, de alguma forma ela ainda conseguiu dar à luz naturalmente", conta Iwan.
Naquela noite, Rizqy nasceu. O nome dele significa "benção".
"Minha mãe era tão incrivelmente forte", diz Sarah, primeira filha de Iwan e Halila, chorando.
"Embora os ossos dela estivessem quebrados, ela conseguiu dar à luz naturalmente o meu irmão. Ela era tão incrivelmente forte, minha mãe."
Mas Halila nunca se recuperou totalmente dos ferimentos e, dois anos depois, no quinto aniversário de Sarah, ela morreu.
"Perdi minha melhor amiga, minha alma gêmea, a pessoa que me completava. É muito doloroso falar sobre isso", desabafa Iwan, também aos prantos.
Sarah no colo da mãe, Halila; 'Eu sempre perguntava ao meu pai quando era criança: Onde está minha mãe?'
BBC
No início, ele foi tomado por um desejo de vingança.
"Eu queria que os autores do ataque que sobreviveram morressem, mas não queria que tivessem uma morte rápida", afirma.
"Queria que eles fossem torturados primeiro. Queria que cortassem a pele deles e colocassem sal nas feridas, para que eles tivessem uma ideia da dor causada pela explosão, tanto física quanto mentalmente. Meus filhos e eu lutamos muito para continuar vivendo."
É outubro de 2019, já se passaram 15 anos desde o atentado a bomba à embaixada australiana em 2004, e 13 anos desde a morte de Halila.
Ao lado de Iwan, pegamos um barco para atravessar o estreito que dá acesso à ilha de Nusakambangan, na costa de Java, onde está localizado um presídio de segurança máxima.
Sarah como o pai no barco: 'Por que eles fizeram isso? É o que eu quero saber'
BBC
Vamos encontrar dois homens que estão no corredor da morte. Ambos foram julgados e condenados pelo atentado que deixou as crianças sem mãe e Iwan, sem esposa.
"Meu coração está acelerado, estou muito emocionado. Não tenho palavras para explicar o que está passando na minha cabeça", diz Iwan, enquanto desembarcamos no porto, sob uma leve chuva e neblina.
"Só espero que esta jornada abra os corações dos autores do ataque a bomba."
Iwan já encontrou com um destes homens antes, graças ao programa de desradicalização da Indonésia, que organiza reuniões entre combatentes de grupos extremistas e suas vítimas. Mas para os filhos dele, é a primeira vez.
Pergunto a Iwan, pela centésima vez, se ele realmente quer fazer isso.
Oportunidade importante
"Sim, é muito importante que meus filhos tenham essa oportunidade", diz ele decidido.
"Eu sempre os ensinei a não ter raiva. Mas eles querem saber como são os homens que fizeram isso. Querem ter a chance de conhecê-los."
Fica claro que eles são uma família muito unida.
Sarah, aos 17 anos, está estilosamente vestida com um véu preto, camisa listrada e calça comprida. Ela tira selfies ao longo do trajeto e, como muitos adolescentes, não desgruda do celular.
Mas quando fala sobre por que está fazendo isso, se mostra determinada.
"Espero que este encontro faça com que os terroristas reflitam e implorem por perdão a Alá. Se eles se arrependerem verdadeiramente do que fizeram, vão poder influenciar os outros e, com sorte, isso nunca mais vai acontecer."
Sarah tem uma pergunta que a atormenta, e esperou anos para fazer.
"Por que eles fizeram isso? É o que eu quero saber."
Vestido com um macacão laranja, Iwan Darmawan Munto, também conhecido como Rois, aguarda sentado em uma pequena sala de reuniões. Ele parece fraco e está em uma cadeira de rodas — ele sofreu um derrame recentemente, mas está com as pernas e mãos algemadas.
Iwan Darmawan Munto, conhecido como Rois, está sendo mantido em isolamento na prisão
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Em seu julgamento, Rois se levantou após ser declarado culpado e afirmou: "Sou grato por ter sido condenado à morte, porque vou morrer como mártir!"
Acredita-se que a embaixada australiana tenha sido atacada por causa da aliança com os EUA na guerra no Iraque.
Dois guardas armados encapuzados estão ao lado dele. O clima está muito tenso. Eles nos dizem que, se Rois tentar alguma coisa, devemos nos dirigir rapidamente para as paredes.
Iwan, Sarah e Rizqy cumprimentam o preso, e se sentam em cadeiras de plástico. É Iwan quem quebra o silêncio.
"Meus filhos estão curiosos para conhecer a pessoa que os levou a perder a mãe, e o pai a perder os olhos", diz ele.
Rois pergunta casualmente onde Iwan estava no momento da explosão.
Sarah e Rizqy evitam contato visual ao se encontrar com Rois
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Iwan explica que sua esposa estava grávida, e que ela deu à luz na noite do atentado.
"Este é o filho que ela deu à luz", diz Iwan, apontando para Rizqy, que olha fixamente para as mãos.
Rois responde: "Eu também tenho um filho. Não vejo minha esposa e filho há anos. Sinto muita falta deles. Estou ainda pior do que você. Você ainda está com seus filhos. Meu filho nem sequer me conhece".
Rois olha para Sarah e Rizqy — agora estão os dois olhando fixamente para as mãos, evitando qualquer contato visual.
De repente, todo mundo está olhando para Sarah. Sabemos que ela queria perguntar uma coisa.
Mas aquela situação é demais para ela, que cai aos prantos. Iwan se apressa em colocar as mãos na cabeça da filha — e a abraça de forma protetora. Ela, então, consegue perguntar a Rois calmamente por que ele fez aquilo.
"Eu não fiz o que eles disseram que fiz. Por que eu confessei? A resposta está ao olhar nos meus olhos", diz ele, apontando para os olhos.
"Talvez quando for mais velha, você vai entender", ele continua. "Não concordo com ataques em que as vítimas são muçulmanos. Isso não está certo. Você não pode matar muçulmanos — ferir um muçulmano, não está certo."
Eu me intrometo: "E se as vítimas não forem muçulmanos?"
"Também não concordo com isso", diz ele rapidamente.
Perigo e influência
Rois está isolado em uma cela na prisão de segurança máxima — os guardas dizem que estão preocupados com a influência dele sobre outros detentos.
Antes, ele dividia cela com o clérigo radical Aman Abdurrahman, que jurou lealdade ao grupo extremista autodenominado Estado Islâmico atrás das grades. Ambos são suspeitos de terem planejado um atentado em 2016 em Jacarta de dentro da prisão.
Antes de Iwan partir, Rois se oferece para orar por ele.
"Todos os homens cometem erros. Se eu o ofendi de alguma forma, peço desculpas. Eu sinto muito. Sinto mesmo."
Do lado de fora, Iwan parece profundamente abalado.
"Ele ainda acha que fez a coisa certa. Receio que se tivesse outra chance, faria novamente", diz ele, segurando as lágrimas.
"Estou muito decepcionado. Ele causou tanta dor, mas não quer admitir. O que mais posso fazer?"
Estamos no ônibus militar que vai nos levar até a outra prisão na ilha e, a certa altura, passamos por um grupo de macacos pendurados em árvores perto da estrada.
Há duas prisões na ilha: estamos saindo de Batu para Permisan, onde vamos encontrar Ahmad Hassan — o segundo homem no corredor da morte condenado pelo ataque que matou a mãe de Sarah e Rizqy.
Nas fotos tiradas durante o julgamento, Hassan aparece com o punho erguido, olhando furiosamente para as câmeras, ao deixar o tribunal, cercado por seguranças e hordas de jornalistas. Mas o homem que encontramos hoje é muito diferente.
Vestido com uma túnica islâmica e um chapéu de oração, ele parece nervoso e fala baixinho.
Iwan já havia estado com Hassan antes.
"Convidei meus filhos para conhecê-lo", diz Iwan, colocando a mão gentilmente no joelho dele.
"Quero que eles também entendam por que você fez o atentado que matou a mãe deles e me fez perder um dos olhos."
Hassan assente solenemente.
"Eles precisam saber. Eles perderam a mãe tão jovens", afirma.
"Eu disse ao seu pai e agora tenho a oportunidade de dizer a vocês, louvado seja Alá, que eu tenho essa chance."
"Eu nunca quis machucar seu pai, coincidiu de ele estar passando, e meu amigo que estava carregando a bomba explodiu naquele momento. Espero que vocês, filhos de Iwan, possam me perdoar."
A voz dele começa a falhar. "Eu sou um homem imperfeito. Cometi muitos erros."
Sarah olha para ele e diz, educada e assertivamente: "Por que você fez algo assim? Qual foi o motivo?"
"Meus amigos e eu recebemos a educação e os ensinamentos errados. Gostaria que não tivéssemos agido antes de termos realmente adquirido conhecimento e entendido o que estávamos fazendo", ele responde.
Sarah conta a ele então a história dela. Como a mãe morreu no seu aniversário de cinco anos, como eles planejavam fazer uma festa às quatro horas e como a alegria se transformou em desespero.
"Eu perguntava sempre ao meu pai quando era criança: 'Onde está minha mãe?', e ele me dizia que ela estava na casa de Alá. Eu perguntava onde era, e ele dizia que era na mesquita."
"Então, eu fugi para a mesquita. Minha avó estava me procurando e, quando ela me encontrou, eu disse a ela que estava esperando minha mãe. Estava esperando minha mãe voltar para casa. Mas ela nunca voltou."
Hassan fecha os olhos e abre as mãos em oração. Repetidas vezes, ele murmura uma oração pedindo perdão a Alá.
"Alá queria que eu te conhecesse e fosse obrigado a tentar explicar", diz ele.
"Mas eu não posso te explicar, minha filha, me desculpe."
"Não consigo segurar as lágrimas. Vejo Sarah como minha própria filha. Por favor, por favor, me perdoe. Está nas suas mãos."
Todos na pequena sala estão chorando.
Mais tarde, Iwan diz o quanto as lágrimas de Hassan significavam para ele.
"Quando vi Hassan chorando, soube que ele era uma boa pessoa. Ele pode sentir o sofrimento e a dor dos outros. Talvez naquele momento ele tenha sido influenciado pelas pessoas erradas com as ideias erradas, e agora ele abriu seu coração."
No fim da reunião, eles tiram fotos juntos. E dão as mãos. É incrível sentir o clima de perdão nesta sala.
"Eu sempre disse que a pena de morte não era o bastante para eles, que eles deveriam ser torturados primeiro para sentir a dor que sofremos", diz Iwan. "Mas Alá privilegia seus seguidores que são capazes de perdoar."
Saímos da sala, enxugando lágrimas do rosto, e voltamos ao ônibus militar.
Há uma praia famosa nesta ilha, localizada atrás dos presídios — um lugar a que os presos não têm acesso. É a chamada praia de Permisan, ou praia branca, onde as forças especiais do país treinam.
Sarah, Rizqy e Iwan pedem para ir até lá.
É um lugar selvagem, com rochas escarpadas, e ondas batendo na praia. De mãos dadas, Sarah, Rizqy e Iwan correm pela areia. Eu nunca vi Sarah sorrindo assim antes.
"Os encontros de hoje me ensinaram muito", diz ela.
"Hassan pediu desculpas e se arrepende do que fez. Aprendi que alguém pode fazer algo terrível, mas pode mudar depois, e eu o perdoo."
"Estou sorrindo mais agora porque o que eu queria saber, o que eu queria perguntar há tanto tempo, foi finalmente respondido."
"Sinto as ondas (do mar) e ondas de alívio."

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