Deveria haver um limite para o salário dos chefes?

Iniciado por noticias, 31, Dezembro, 2019, 03:08

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Deveria haver um limite para o salário dos chefes?


   Opções de ações incentivam bons desempenhos ou são apenas outra maneira de turbinar remuneração dos executivos? Manifestantes protestam contra pagamentos de executivos da instituição financeira Barclays
Getty Images via BBC
A chefe da empresa de apostas online Bet365, Denise Coates, recebeu um contracheque de 320 milhões de libras (quase R$ 1,7 bilhão), confirmando sua posição como o executivo mais bem pago do Reino Unido. O salário anual de 277 milhões de libras de salário, mais os dividendos, reacendeu o debate sobre quanto os chefes devem ganhar.
"Um executivo-chefe de uma grande empresa americana, segundo levantamento do Senado, recebe cerca de 100 vezes mais que um trabalhador médio da empresa. E nosso governo hoje recompensa esse excesso com isenção tributária, não importa qual ao alto seja esse pagamento. Isso é errado."
A frase é de Bill Clinton durante a campanha presidencial dos Estados Unidos em 1991, a qual ele venceu. Ele prontamente tirou do papel sua promessa de cercear pagamentos excessivos.
Em geralmente, salários são tratados como custo, reduzindo o lucro sobre o qual uma companhia paga tributos. O presidente Clinton mudou a lei americana, e companhias poderiam ainda pagar o quanto elas quisessem, mas salários anuais acima de US$ 1 milhão (cerca de R$ 4 milhões) não seriam mais dedutíveis.
A mudança teve um impacto enorme. Quando Clinton deixou o cargo, em 2000, a razão entre o pagamento do executivo-chefe e do trabalhador médio não era mais 100 para 1. Era 300 para 1.
Mas o que deu errado? Podemos abordar essa questão a partir das oliveiras da Grécita Antiga.
O filósofo Tales de Mileto, segundo se conta, foi desafiado a provar o valor da filosofia. Se ela era tão útil, por que Tales era tão pobre?
Aristóteles, que narra sua história, deixa claro que a questão é superficial.
É claro que os filósofos são espertos o bastante para ficarem ricos, mas eles também são sábios o bastante para não se importarem com isso. Podemos até imaginar Tales falando: "Ok, eu farei fortuna. Se eu precisar!"
À época, a filosofia incluía a leitura do futuro nas estrelas.
Tales previu uma safra abundante de azeitonas, o que significaria demanda alta no aluguel de prensas da cidade. Tales visitou cada dono de equipamento com uma proposta. Aristóteles é nebuloso nos detalhes, mas menciona a palavra "depósito".
Talvez Tales tenha negociado o direito de usar a prensa na época da colheita, mas se ele decidisse não usá-la, o proprietário simplesmente ficaria seu depósito.
Nesse caso, é o primeiro exemplo registrado do que chamamos agora de opção. Uma má colheita de azeitonas, e a opção de Thales seria inútil.
Mas, por sorte ou por análise astronômica, ele estava certo. Aristóteles nos diz que Tales contratou as prensas "em que termos ele quis e coletou uma boa quantia de dinheiro".
Atualmente, muitas opções são compradas e vendidas nos mercados financeiros.
Monitor mostra dados da Dow Jones na bolsa de valores de Nova York
Brendan Mcdermid/Reuters
Se você acha que o preço da ação da Apple vai subir, pode simplesmente comprar ações da empresa — ou pode comprar a opção de comprar ações da Apple por um preço específico numa data futura.
Uma opção é de alto risco e alto retorno. Se o preço da ação é menor do que minha opção de compra, eu perco tudo. Se é maior, eu posso exercer minha opção, vender a ação e tirar um grande lucro.
Mas há outro uso para essas opções, uma tentativa de resolver o que economistas chamam de problema do principal-agente. O principal é dono de algo, e ele emprega um agente para gerir isso para ele.
Imagine que eu me torno chefe da Apple, e você detém ações da empresa. Isso o torna o principal, ou um deles. Eu sou o agente, gerindo a companhia para você e outros acionistas. 
Você precisa confiar em mim para trabalhar duro por seus interesses, mas você não pode ver o que eu faço o dia todo. Talvez eu tome minhas decisões consultando um astrólogo, talvez não tão esperto quanto Tales, mas eu sempre terei uma desculpa plausível de por que os lucros estão estagnados.
Mas se me derem opções de comprar novas ações da Apple em alguns anos? Agora eu teria a ganhar com o aumento do preço da ação. Claro, se eu exercer minha opção, isso vai diminuir o valor das ações, mas se o peço continuar subindo, isso não vai importar muito.
Tudo isso soa perfeitamente sensível, e em 1990 os economistas Kevin J. Murphy e Michael Jensen publicaram um influente artigo sobre o assunto.
"Na maioria das companhias", escreveram, "a compensação de altos executivos é virtualmente independente do desempenho".
Bill Clinton mudou regras de tributação sobre remunerações de executivos, mas medida teve efeitos inesperados
Jason DeCrow/Hult Prize Foundation via AP Images
Então, quando o presidente Clinton cortou isenções para pagamentos de executivos, ele beneficiou recompensas ligadas à performance. Conselheiro do então mandatário, Robert Reich explicou o que aconteceu: "Só mudou a remuneração dos executivos de salários para opções sobre ações".
Um mercado de ações em ascensão significava que até mesmo um executivo-chefe que consulta astrologia teria se dado bem. A diferença entre os salários dos patrões e dos trabalhadores aumentou. Um congressista da era Clinton diz que a lei "merece um lugar de destaque no Museu de Consequências Não Intencionais".
Mas espere: se as opções incentivam os executivos a fazer um trabalho melhor, então isso não é necessariamente ruim, certo? Infelizmente, isso acabou sendo um grande "se".
Quais opções realmente incentivam é maximizar o preço das ações de uma empresa em uma determinada data. Se você acha que é exatamente a mesma coisa que administrar bem uma empresa, tenho algumas ações da Enron para vendê-lo.
Se as opções de ações não são a melhor maneira de recompensar o desempenho, os conselhos de administração da empresa não deveriam procurar alternativas?
Em teoria, sim. É trabalho do conselho negociar com os chefes das empresas em nome dos acionistas. Na prática, esse é outro problema do principal-agente, pois os chefes costumam influenciar quem são os diretores e quanto são pagos. Existe um potencial óbvio de conflito de interesse.
No livro Pay Without Performance ("Remuneração sem Desempenho", em tradução livre), Lucian Bebchuk e Jesse Fried argumentam que os diretores não se importam de verdade com uma ligação entre remuneração e desempenho, mas precisam "camuflar" essa indiferença dos acionistas. A melhor forma de compensar gatos gordos é a "compensação de camuflagem", e opções sobre ações parecem ser uma maneira de fazer isso.
Talvez acionistas precisem ainda de outro agente para supervisionar como a diretoria recompensa os chefes.
Há um candidato: muitas pessoas detêm ações não de modo direto, mas por meio de fundos de pensão, e há algumas evidências de que esses chamados investidores "institucionais" podem persuadir conselhos de administração a serem negociadores mais duros.
Quando um grande acionista pode exercer algum tipo de controle, há um elo mais genuíno entre a remuneração dos executivos e a performance deles. No entanto, essa ligação parece também bastante rara. 
Os pagamentos feitos a executivos são frequentes nas manchetes de jornais, mesmo em países nos quais é menor a diferença da remuneração deles em relação ao trabalhador comum.
De todo modo, há surpreendentemente poucas evidências do que faz sentido.
Quão possível é avaliar bem o que um chefe faz? Há divergências.
Quase metade dos acionistas da companhia aérea Ryanair votaram contra negociação salarial do chefe-executivo da empresa, Michael O'Leary
Emmanuel Dunand/AFP
Os chefes estavam menos motivados nos anos 1960 porque ganhavam "apenas" 20 vezes mais que os trabalhadores comuns? Parece difícil.
Por outro lado, boas decisões no comando de uma grande empresa têm muito mais valor do que as ruins. Então, talvez aqueles executivos valham mesmo os salários de até nove dígitos. Talvez.
Mas se é isso mesmo, não está claro para eleitores e trabalhadores, muitos dos quais ainda irritados com o que Clinton deu voz nos anos 1990.
Talvez os chefes executivos devam aprender com Tales, que foi esperto o bastante para fazer mais dinheiro, mas sábio o suficiente para refletir se deveria.
* Tim Harford escreve a coluna "Undercover Economist", do Financial Times. Esse texto faz parte da série "As 50 coisas que fizeram a Economia Moderna", transmitida pela BBC World Service. Ouça aqui em inglês.

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