México busca paradeiro de bebês roubados durante 'guerra suja' contra esquerda nos anos 1960-80

Iniciado por noticias, 27, Outubro, 2021, 01:30

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México busca paradeiro de bebês roubados durante 'guerra suja' contra esquerda nos anos 1960-80

Presidente mexicano criou em 2019 comissão para localizar ao pessoas que nasceram após a detenção de suas mães, ativistas de esquerda. Mulher segura cartaz com foto de desaparecido em protesto na cidade de Guadalajara, México, em 2019
Ulises Ruiz/AFP
O presidente do México, Andrés Manuel López Obrador, criou em 2019 uma comissão para localizar ao menos 14 pessoas que nasceram após a detenção de suas mães, ativistas de esquerda, entre 1960 e 1980.
Grávidas, as militantes tiveram seus bebês roubados após o parto por grupos militares e policiais acusados de graves violações dos direitos humanos. A unidade especializada na busca dessas mulheres e crianças desaparecidas está começando seus trabalhos. 
Esse período sombrio da história mexicana ficou conhecido como "a guerra sucia" ("guerra suja") e lembra, embora em menor escala, o mesmo drama vivido por milhares de mulheres que tiveram seus filhos raptados durante as ditaduras no Chile e na Argentina.
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Nas décadas de 1960 e 1970, as militantes mexicanas da Liga Comunista combateram o Partido Revolucionário Institucional (PRI), de direita, que dominou a política nacional por 70 anos — até o ano 2000.
Grupos guerrilheiros estudantis de esquerda travaram uma luta ferrenha contra dois governos do PRI em particular, dos presidentes Luis Echeverría e José López Portillo.
O PRI adotou uma "política de Estado" contra os adversários do regime, que incluiu assassinatos, prisões clandestinas e sequestros de bebês nascidos em cativeiro.
Durante a repressão, cerca de 500 opositores políticos e estudantes desapareceram, segundo a Comissão Nacional de Direitos Humanos.
Para pressionar o Estado a encontrá-los, alguns parentes se juntaram à luta de organizações que buscam dezenas de milhares de desaparecidos no México a partir de 2006, quando uma controvertida ofensiva antidrogas foi implantada e a violência do crime organizado disparou.
Centenas de mães e parentes de desaparecidos participam de um protesto durante o Dia das Mães na Cidade do México
Yuri Cortez/AFP
O professor aposentado Roberto Martínez, de 65 anos, tem a esperança de encontrar seu sobrinho ou sobrinha. Lourdes Martínez, irmã de Roberto, foi detida em junho de 1974 na cidade de Culiacán, no noroeste do país, quando tinha 23 anos.
Ela estava grávida e integrava a guerrilha Liga Comunista 23 de Setembro, que foi dissolvida em 1983 após desafiar o PRI durante uma década.   
"Espero do fundo da minha alma que as autoridades me ajudem a encontrar meu sobrinho ou sobrinha e sua mãe", afirmou Martínez. "Gostaria de dizer a todos os que possivelmente nasceram nas mesmas circunstâncias quanto suas mães deram por este país".
Roberto Martinez segura retrato de sua irmã Lourdes, que desapareceu em Culiacan, no estado de Sinaloa, no México,  em 1974. Roberto renovou as esperanças de encontrar um sobrinho ou sobrinha que teria nascido durante o cativeiro de sua mãe, uma vítima da repressão mexicana a oponentes políticos entre os anos 1960 e 1980.
Rashide Frias/AFP
Crueldade de Estado
Esta é a primeira vez que um governo mexicano procura pessoas que podem ter sido adotadas após o desaparecimento forçado de suas mães. A comissão tenta localizá-las analisando arquivos oficiais e testemunhos.
"Organizar partos clandestinos com o objetivo de se apropriar das crianças é extremamente cruel", disse Javier Yankelevich, diretor da unidade especializada na busca, vinculada à comissão. Yankelevich conclama aqueles que "podem ter dúvidas sobre sua identidade" a "explorar a possibilidade de que a história que lhes foi contada não seja a deles e se aproximar das instituições" para esclarecê-la.
Camilo Vicente, autor do livro "Tempo Suspenso: Uma história dos desaparecimentos forçados no México entre 1940-1980", recolheu indícios de que ocorreram adoções irregulares naquelas décadas, embora não nas mesmas proporções do que aconteceu na Argentina e no Chile.
A organização argentina Avós da Praça de Maio estima que 500 bebês foram roubados durante a ditadura argentina (1976-1893), enquanto no Chile o número chega a 8 mil crianças, segundo o Tribunal de Apelações.
Papa Francisco cumprimenta Estella de Carlotto, presidente da associação "Avós da Praça de Maio" em 2014 no Vaticano
Osservatore Romano/AFP
"Mesmo que haja um ou dois casos, é obrigação do Estado (mexicano) procurá-los", afirmou Vicente, "e dizer quantas crianças morreram em operações militares ou sofreram torturas, outra parte ocultada sobre aquele momento de contrainsurgência até hoje negada no México".
Final feliz
Um desses episódios é o de Roberto Antonio Gallangos e sua esposa Carmen Vargas, integrantes da Liga Comunista. Eles foram presos em diferentes operações em 1975 e depois desapareceram.
Na época, os filhos Lúcio Antonio, de 4 anos de idade, e Aleida, de 2 anos, foram separados um do outro e ficaram sob cuidados de amigos do casal.
O menino foi sequestrado por agentes durante uma operação em que foi ferido. Já Aleida foi entregue a uma família pelo homem que cuidou dela e que morreu sem revelar detalhes da história.
Lucio Antonio foi deixado em um orfanato em 1976. A família que o adotou o batizou com o nome de Juan Carlos Hernández.
Após uma denúncia da imprensa e por iniciativa de seu pai adotivo, Aleida descobriu sua verdadeira identidade em 2001. Em 2004, depois de superar obstáculos de autoridades que se recusaram a abrir os arquivos oficiais, ela localizou seu irmão em Washington, onde ambos vivem agora.
Mães, parentes e amigos marcham com cartazes exibindo fotos de desaparecidos na Cidade do México no Dia das Mães
Marco Ugarte/AP
"As pessoas diziam que parecia que eu estava enlouquecendo", disse Aleida à AFP, recordando esse período de busca e intensas dúvidas.
Os dois irmãos esperam que a Corte Interamericana de Direitos Humanos obrigue o México a localizar seus pais, que o país incorpore a "guerra suja" à história oficial e pague as indenizações devidas às vítimas da repressão política.
"Sou duas vezes vítima, porque sou parente de um desaparecido e um desaparecido ao mesmo tempo", denuncia Juan Carlos. O mexicano diz que a descoberta de sua verdadeira identidade lhe trouxe "paz".
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