O legado da Revolução Cubana ao mundo: 60 anos de armas e jalecos brancos

Iniciado por noticias, 02, Janeiro, 2019, 21:02

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O legado da Revolução Cubana ao mundo: 60 anos de armas e jalecos brancos


   Revolução completa 60 anos nesta terça-feira (1º) com seu primeiro presidente sem Castro no sobrenome desde 1976 e à espera de ratificação de nova Constituição, que assegura que país 'jamais' retornará ao capitalismo. Bandeira de Cuba é vista em estrada onde pessoas aguardam a passagem da procissão do funeral de Fidel Castro, perto de Las Tunas, em 2 de dezembro de 2016
AP Photo/Desmond Boylan, File
A revolução cubana celebra nesta terça-feira (1º) seu 60º aniversário sem Fidel Castro, que morreu no final de 2016, enquanto a ilha comunista , pela via das reformas, busca evitar o naufrágio econômico.
Santiago de Cuba (sudeste) recebe um ato comemorativo simbólico, realizado aos pés dos túmulos do herói nacional, José Martí, e de Fidel, e que deve contar com um discurso de Raúl Castro, que, como outros históricos personagens, está aposentado da vida pública, embora conserve as chaves do poder.
Pela primeira vez desde 1976, Cuba tem um presidente sem o sobrenome Castro: Miguel Díaz-Canel, de 58 anos, que repete "somos continuidade", e que na quinta-feira tuitou que "a revolução cubana é invencível, cresce, perdura".
O presidente de Cuba, Miguel Diaz-Canel, e Raúl Castro
Reuters/Alexandre Meneghini/Pool
A nova Constituição cubana, que será levada a referendo em 24 de fevereiro, ratifica o comunismo como meta social, mas reconhece o papel do mercado, da propriedade privada e do investimento estrangeiro, e assegura que Cuba "jamais" retornará ao capitalismo.
O Partido Comunista (PCC) segue sendo "único" e a "força política superior do Estado e da sociedade".
Mas a sociedade tem mudado e logo haverá, por exemplo, jogadores de beisebol milionários na ilha após o recente acordo com as Grandes Ligas dos Estados Unidos.
Embaixadores
Soldados, médicos e professores passaram a ser uma espécie de embaixadores da Revolução Cubana, uma vez diluída a imagem puramente romântica com que os camaradas barbudos de Fidel Castro assumiram o poder na ilha em 1959.
Passaram da violência das armas ao entendimento e à ajuda humanitária em América Latina, África e Ásia. Referência ideológica para o socialismo, Cuba resiste ao bloqueio dos Estados Unidos, que questiona seu unipartidarismo e falta de liberdades políticas.
A imagem romântica
O catalão Carlos García Pleyán viveu na França os protestos de maio de 1968. Quando encontrou um exemplar de "A História me Absolverá", de Fidel Castro, começou seu idílio com Cuba.
"Fiquei deslumbrado (...) No verão de 1969 já estava em Havana explorando possibilidades de trabalho. No ano seguinte, já graduado, havia me instalado em Cuba definitivamente", disse o hoje sociólogo e urbanista à AFP.
"A Cuba dos anos 1960 foi um exemplo de audácia revolucionária e de inovação social que contrastava com a conservadora realidade europeia e que seduzia qualquer um que defendesse a justiça social", acrescenta.
Seduziu o casal de filósofos franceses Jean Paul Sartre e Simone de Beauvoir. Sartre escreveu um livro antológico, "Furacão sobre Cuba".
Raul Castro e Ernesto 'Che' Guevara em Havana, em foto de 1º de janeiro de 1960
HO/Bohemia/AFP
As armas
O cientista político Luis Suárez, ex-diretor do Centro de Estudos da América, considera que essa projeção vem de dois princípios do herói nacional José Martí: tentar impedir com a independência de Cuba o domínio dos Estados Unidos na América Latina e se reconhecer como parte de uma revolução regional, uma "segunda independência".
Daí o "apoio que, com exceção do México, Cuba oferecia tanto aos que lutaram com armas em seus respectivos países quanto aos vários governos que (...) empreenderam mudanças favoráveis aos seus interesses nacionais e populares, e favoreceram a unidade latino-americana e caribenha".
Argélia, a porta da África
Em 1961 chegavam as armas de Cuba para a Frente de Libertação Nacional da Argélia. Em junho, Cuba reconheceu o governo provisório e em outubro de 1962, o governo de Ahmed Ben Bella.
Em 1963 chegam os primeiros cubanos à Argélia e o primeiro contingente militar para apoiar os argelinos em um conflito territorial com o Marrocos.
"Fomos para a África cooperar com os combatentes africanos a lutar pelo direito humano mais sagrado: a liberdade", disse à AFP Oscar Oramas, então jovem diplomata que serviu em vários países africanos a mando de Ernesto Che Guevara e Fidel Castro.
Cuba apoiou os movimentos pela independência na África.
Para os inimigos de Fidel era a "exportação da revolução", para seus partidários, "um dever de internacionalismo".
Em 1965, Guevara liderou uma tropa de cubanos no Congo belga e, dois anos depois, uma guerrilha internacional na Bolívia. Os dois movimentos fracassaram.
O veterano cubano Alejandro Ferras Pellicer, de 97 anos, observa uma foto de Fidel Castro em seu museu pessoal de heróis cubanos, em Havana, no dia 18 de dezembro
Adalberto Roque/AFP
Médicos e professores
Entre os anos 1960 e 1980, Cuba favorecia a revolução para conseguir a mudança. Logo entendeu que era melhor buscar acordo político, social e econômico para consegui-la.
Médicos, professores, construtores, técnicos cubanos aumentaram a sua presença em África, Ásia, América Latina e Caribe. E, ao mesmo tempo, milhares de soldados marcharam para Angola e Etiópia, e conselheiros militares para Nicarágua e Venezuela.
Mais de 300 mil cubanos, militares e civis, passaram por Angola.
Programas como "Sim, eu posso" (alfabetização), "Operação milagre" (oftalmológico) e outros funcionam na América Latina, inclusive em países com governos conservadores.
Embora Fidel Castro tenha enfatizado o caráter humanitário desses programas, seus participantes se tornaram embaixadores da revolução.
Médicos cubanos atuaram em 67 países, alguns de forma gratuita e outros representaram ao país rendimentos anuais de US$ 11 bilhões.
A sovietização
A entrada de Cuba no bloco soviético "fez com que, para a intelectualidade europeia, começasse a diminuir o fascínio e a romantização", diz García Pleyán.
Na América Latina, "para os setores de esquerda, populares, a revolução cubana continua sendo uma fonte de inspiração para as mudanças internas", considera Suárez.
Para o teólogo brasileiro Frei Betto a revolução cubana é "admirável", mas não "imitável".
Nos setores de poder é vista como uma necessidade de "relações de respeito e, no possível, de mútua conveniência", e devem evitar que Cuba seja "um fator incidente na política interna" de seus países, declara Suárez.
Turistas nas escadarias do Capitólio de Cuba, em Havana, em foto de 14 de agosto
AP Photo/Desmond Boylan
Novos tempos
No fim, a União Europeia normalizou as suas relações com Cuba, se afastando da nova política hostil de Donald Trump.
"América Latina, zona de paz" é a sua bandeira, um continente onde renasce a onda direitista em seus governos, enquanto morreram os dois grandes líderes continentais: Fidel Castro (1926-2016) e Hugo Chávez (1954-2013).
Cuba cerrou fileiras com Venezuela, Bolívia e Nicarágua, que resistem a fortes pressões de Washington, e convocou para que construam uma frente ampla que reúna forças de esquerda e progressistas, além de movimentos sociais, para enfrentar esses desafios.
Um cenário hostil por onde Cuba se move com a experiência de seis décadas.

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