Leis aprovadas no interior de SP levam Itamaraty a alertar cidades sobre mal-estar com o Azerbaijão

Iniciado por noticias, 02, Fevereiro, 2019, 15:00

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Leis aprovadas no interior de SP levam Itamaraty a alertar cidades sobre mal-estar com o Azerbaijão


   Cidades paulistas se declararam irmãs de localidades na República de Nagorno-Karabakh, território do Azerbaijão que já foi alvo de conflito territorial com a vizinha Armênia. Vista geral de Stepanakert, principal cidade de Nagorno-Karabakh, declarada irmã do município de Mairiporã (SP)
David Mdzinarishvili/Reuters
Dois municípios do estado de São Paulo receberam alertas do Ministério das Relações Exteriores por, de certa forma, se envolverem numa disputa territorial que ocorre a quase 13 mil quilômetros do Brasil. Mairiporã e Pilar do Sul se declararam cidades-irmãs de duas localidades na República de Nagorno-Karabakh – um território de maioria armênia dentro do Azerbaijão.
O problema é que o Brasil não reconhece a República de Nagorno-Karabakh como independente. Aliás, nenhum país integrante da Organização das Nações Unidas (ONU) reconhece. Nem mesmo a Armênia (leia mais sobre o assunto mais abaixo).
Segundo o Itamaraty, o governo do Azerbaijão, por meio de sua embaixada, pediu explicações ao Brasil. As duas leis municipais aprovadas mencionam nominalmente os termos "Armênia Eterna" e "autodeclarada República de Nagorno-Karabakh". Para o Ministério de Relações Exteriores, elas poderiam afetar as boas relações com o Azerbaijão.
Igreja na cidade de Shushi (Shusha), no território de Nagorno-Karabakh. Cidade foi declarada irmã do município de Pilar do Sul (SP)
Ghazanchetsots Cathedral, Shushi, Artsakh, Armenia by hovo hanragitakan / CC BY 2.0
Veja quais são os municípios em questão:
Mairiporã – irmã de Stepanakert (ou Khankendi, na língua azeri ou azerbaijana);
Pilar do Sul – irmão de Shushi (ou Shusha, em azeri).
De quem foi a ideia?
A ideia de criar essas irmandades entre cidades partiu do radialista e comerciante paulistano Sarkis Karamekian, 51 anos, descendente de armênios e líder da associação Juventude Armênia. Ele e o grupo viajaram pelas cidades paulistanas com apresentações de dança e exposições da cultura do país situado no Cáucaso.
"O objetivo era estreitar a relação entre as cidades por experiências culturais, de educação e esporte", contou ao G1. Estima-se que 50 mil descendentes de armênios vivam no Brasil, a maioria no estado de São Paulo.
Karamekian defende que o território de Nagorno-Karabakh – também conhecido como Artsakh – seja internacionalmente reconhecido como armênio. "Mas queremos estabelecer uma relação amigável com o Azerbaijão", ressaltou.
"A gente entende [o pedido] e tem enorme respeito pelo Itamaraty. Em nenhum momento quisemos criar um mal-estar", disse Karamekian.
Bandeiras da Armênia e da República de Nagorno-Karabakh – não reconhecida pelo Brasil
Border Flags by David Stanley / CC BY 2.0
Esta não é a primeira vez que o "irmanamento" de municípios brasileiros com Nagorno-Karabakh recebe questionamentos do Itamaraty. Em 2017, o vereador Gilberto Natalini (PV) retirou um projeto feito por ele mesmo para tornar a cidade de São Paulo irmã de Stepanakert.
Natalini disse que, na ocasião, recebeu convite para conhecer a Armênia e visitou também Nagorno-Karabakh.
"Eu vi que ali era Armênia. A população, a cultura, a igreja eram armênias", justificou Natalini.
À época, segundo o Itamaraty, o governo do Azerbaijão "manifestou estranheza e decepção" com a proposta apresentada por Natalini.
"Para não criar conflito, resolvi retirar provisoriamente o projeto de lei. Mas acho justo que São Paulo seja irmã da cidade armênia", defendeu.
O que diz cada lado
Ministério das Relações Exteriores
Palácio do Itamaraty - Brasília (DF)
Marcelo Brandt/G1
O Itamaraty informou que considera as iniciativas das cidades "bem intencionadas". No entanto, segundo o ministério, os projetos "não favorecem a construção de ambiente propício para a solução do conflito".
Além disso, o Itamaraty reiterou que o Brasil "defende a solução pacífica do conflito por meio de negociações" e a "plena implementação das quatro resoluções do Conselho de Segurança das Nações Unidas sobre o Nagorno-Karabakh, que reafirmam a soberania e a integridade territorial do Azerbaijão e de todos os outros Estados da região, bem como a inviolabilidade das fronteiras internacionais e a inadmissibilidade do uso da força para a aquisição de território".
Embaixada do Azerbaijão
O G1 entrou em contato com a embaixada do Azerbaijão em Brasília. A equipe da representação do país, porém, respondeu que não havia uma resposta ou comentário sobre o caso até a publicação desta reportagem.
Mairiporã (SP)
Prefeitura de Mairiporã
Google Street View/Reprodução
A assessoria de imprensa do prefeito Antonio Aiacyda (PSDB) disse ao G1 que houve um erro por parte da equipe, que não o informou sobre o conflito envolvendo Nagorno-Karabakh. Segundo a Prefeitura, um vereador da cidade editou o projeto de lei para dar "boas-vindas" aos representantes armênios.
O G1 procurou o vereador Valdeci América (PV), autor do projeto de lei que tornou Mairiporã irmã de Stepanakert, mas o parlamentar não respondeu.
A expectativa da Prefeitura é que o projeto de revogação da lei vá a plenário a partir da semana que vem, quando a Câmara Municipal voltar do recesso parlamentar.
Pilar do Sul (SP)
Câmara Municipal de Pilar do Sul
Reprodução/Google Street View
A assessoria jurídica da Câmara Municipal de Pilar do Sul afirmou que enviou ao Itamaraty uma série de indagações sobre o pedido. Isso porque, segundo os assessores, "a posição do Governo pode ter mudado depois da mudança na Presidência".
O Ministério de Relações Exteriores, porém, respondeu ao G1: "O posicionamento do Governo Federal não mudou".
Na mesma linha da Câmara Municipal, o autor da lei que declara Pilar do Sul irmã de Shushi, vereador Marcos Fábio dos Santos (PDT), disse ainda defender a proposta. "Tem que olhar o lado da opressão do povo [armênio]", afirmou.
"Estou disposto a conversar. A lei que fiz não é para mudar o posicionamento do Brasil, e sim, da cidade", justificou o vereador.
O que é Nagorno-Karabakh?
Monumento 'Nós Somos Nossas Montanhas', em Stepanakert (Khankendi), capital da autodeclarada República de Nagorno-Karabakh, não reconhecida pelo Brasil
Grandma and Grandpa by David Stanley / CC BY 2.0
A autodeclarada República de Nagorno-Karabakh abriga 150 mil pessoas em um território encravado no Azerbaijão – uma ex-república da antiga União Soviética no Cáucaso, na fronteira entre Ásia e Europa. Dessa população, segundo dados apresentados pelo governo armênio, 95% tem origem armênia.
O conflito na região data do início da União Soviética, na década de 1920, quando Moscou passou a governar os países do Cáucaso. Jeffrey Eden, pesquisador da Universidade Harvard (EUA), explicou ao G1 que, durante quase todo o século passado, Nagorno-Karabakh fez parte da então República Socialista Soviética do Azerbaijão.
"Muita gente no Azerbaijão enxerga Nagorno-Karabakh como parte histórica da pátria azeri – assim como vários armênios veem da mesma forma", ilustrou Eden.
Soldado carrega armas na região de Nagorno-Karabakh
Vahan Stepanyan/Reuters
Em 1988, três anos antes da dissolução da União Soviética, eclodiu uma guerra entre azeris e armênios na disputa por Nagorno-Karabakh. O conflito só terminou em 1993, com um cessar-fogo assinado no ano seguinte e mediado, principalmente, pela Rússia. Estima-se que mais de 30 mil pessoas morreram no confronto.
Blogueiro de viagem foi preso na região em 2017
Mais de duas décadas depois, em 2016, um conflito armado que durou quatro dias matou dezenas de pessoas, entre civis e militares.
Soldados da auto-proclamada  república de Nagorno Karabagh praticam exercícios durante treinamento na região de fronteira entre a Armênia e o Azerbaijão, perto da cidade de Martakert.
Karen Minasyan/AFP
A disputa ainda está longe de uma solução. Segundo Eden, dificilmente algum país vai oficialmente reconhecer Nagorno-Karabakh ou interferir de forma direta na disputa – o que explica o pedido do Itamaraty. Veja por quê:
A Rússia ainda mantém fortes laços econômicos e estratégicos com os dois países. Tomar um lado levaria o Kremlin a se indispor com o outro;
Caso a República da Armênia reconheça a independência de Nagorno-Karabakh, o governo do Azerbaijão poderia se sentir provocado, levando a um conflito;
Apesar do cessar-fogo e de um encontro recente entre ministros de Relações Exteriores dos dois países, há relatos de violações da trégua na região e provocações diplomáticas entre azeris e armênios.
Mapa República de Nagorno-Karabakh
Alexandre Mauro/G1

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